Ouço a campainha. Será para mim?
Encaminho-a para a sala, a primeira à esquerda. Senta-se na cadeira apoiando os braços trémulos na mesa redonda à sua frente. Fecho a porta, a porta que separa a vida da vida real. Há momentos em que parece que as grades se fecham, o silêncio inicia a busca desenfreada de abafar o mais pequeno som e um olhar desencontrado. Sinto-me numa prisão de sentimentos. Estou na sua vida, aquela que poucos conhecem onde a vergonha e a tristeza ficam com os papéis principais. Déjà vu…não. Já vivi isto. Não é impressão, não são imagens passadas que ficaram retidas na minha memória e que se sobrepõem às actuais. Não. Não é uma reacção psicológica que faz com que sejam transmitidas ideias que já se teve naquele lugar antes. Não. É tudo igual. É sempre tudo igual. Há duas horas atrás o mesmo discurso repleto de dor volta a entrar em mim. As lágrimas a quererem-lhe escapar, as mãos a desenharem no vazio, as pernas torcidas debaixo da mesa e um olhar fugidio. Luta por não o fazer. A dor é tanta. Profiro as palavras que a deixam indefesa: “Chorar faz bem, tem o tempo que precisar.” Caem na mesa como a força de um soco. A força daquele empurrão que a deixou pisada, o estalo que rasgou o seu sorriso, as palavras que perfuraram o seu ego e o olhar do filho que enregelou o seu coração.
Ontem Carla, hoje Maria. Todos os dias gente diferente, histórias iguais. É sempre tudo igual. Amanhã podes ser tu.
1 comentário:
Histórias tristes e que, mesmo numa altura em que a informação é muita, continuam a existir em grande quantidade. Talvez porque o problema não estaja na informação, mas sim na formação. E hoje em dia, infelizmente, a formação - e falo da pessoal, que é a que importa para o caso - anda pelas ruas da amargura.
Beijos grandes e continua a ser o bom "encosto" dessas Carlas e Marias. Fazes-lhes bem.
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